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AQUECIMENTO GLOBAL, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E A CAFEICULTURA PAULISTA

Uma notícia causou grande preocupação para técnicos e produtores ligados à cultura do café: “O café vai sumir do cenário agrícola paulista nos próximos 30 a 40 anos, quando a temperatura deverá estar 3 graus centígrados mais alta”. Esta conclusão e outros efeitos devastadores do aquecimento global fazem parte de um estudo divulgado pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas aplicadas à Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp em conjunto com a Embrapa-Informática a partir dos relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas). O relatório é obviamente preocupante e a constatação do aquecimento não se discute aqui, muito embora os próprios relatórios contenham um alto grau de incerteza nos resultados dos modelos de previsão a longo prazo. Entretanto, a afirmação de que o aquecimento de 3°C previsto para 2040 ocasionaria muitas mudanças climáticas e inviabilizaria totalmente a cafeicultura paulista é no mínimo prematura, sendo necessária uma análise dos possíveis cenários e da situação da capacidade técnica-científica da cafeicultura atual. Se não vejamos: Segundo o zoneamento agroclimático do café arábica para o Brasil, a temperatura do ar é o principal fator na definição da aptidão climática do cafeeiro em cultivos comerciais. A aptidão térmica é considerada por faixas de temperatura média anual, sendo a apta ou prefencial entre 18 a 23°C. Abaixo de 18°C e acima de 23°C é considerado marginal a inapto. Em temperaturas superiores a 23°C, associadas à seca na época do florescimento, podem ocorrer abortamento floral e formação de “estrelinhas”, com grande redução da produtividade. Além disto, estas temperaturas elevadas condicionarão frutos com desenvolvimento e maturação bastante precoces, ocasionando perda da qualidade do produto, pois a colheita e secagem irão coincidir com o período chuvoso. Por esta razão a cafeicultura do Estado de São Paulo está implantada em regiões de altitude entre 400 e 1.200m, que condicionam temperaturas médias anuais entre 18 e 23°C. As principais regiões produtoras são: Média e Alta Mogiana; Avaré/Piraju e Garça/Marília. A maior região produtora é a Média e Alta Mogiana onde a altitude está na faixa de 800 a 1.200m, com temperaturas médias entre 18 a 20°C. Um aumento de 3°C elevaria essas temperaturas para 21 a 23°C, continuando a região a ser considerada ainda apta para a cultura comercial do café arábica. Na região sul do Estado (Avaré, Piraju e municípios adjacentes) embora a altitude esteja na faixa de 700 a 800m, devido a latitude apresenta temperaturas médias de 19 a 20°C e, portanto 3°C a mais também não inviabilizaria a cafeicultura comercial na região. O problema poderia se tornar mais grave e preocupante na região centro-oeste do Estado onde a principal região é Garça/Marília, onde a altitude média está em torno de 600m, que condiciona temperaturas médias na faixa entre 21 a 22°C, que com a projeção de aumento de 3°C, inviabilizaria o cultivo comercial do café arábica. No entanto, outros aspectos primordiais foram totalmente ignorados por aqueles que consideram apenas o aspecto temperatura média. Ao longo de dezenas de anos de pesquisa, o IAC e outras instituições de pesquisa desenvolveram tecnologias que permitem atenuar o efeito de temperaturas adversas, viabilizando o cultivo comercial em regiões consideradas pelo zoneamento agroclimático como marginais e até mesmo inaptas para a cultura do café arábica. Isto já ocorre atualmente na prática, com a existência de inúmeros plantios comerciais irrigados em regiões consideradas marginais por apresentarem restrição térmica devido a temperaturas elevadas. Quais práticas agronômicas atenuariam este cenário de aquecimento, viabilizando a cultura do café? Irrigação: cresce cada vez mais as áreas irrigadas com café no Brasil e esta prática tem sido o principal fator a permitir o estabelecimento do cafeeiro em regiões de baixa altitude em que as temperaturas médias são elevadas para o cultivo normal do café arábica. Arborização: o cafeeiro arábica é originário dos altiplanos da Etiópia em condições de sub-bosque, ou seja, de meia sombra. No Brasil o cultivo foi adaptado e generalizado para pleno sol devido às latitudes mais elevadas e altitudes inferiores do que a região de origem. Grande parte do cultivo do café arábica em países tradicionais como a Colômbia, Costa Rica, Guatemala, El Salvador e México se dá em ambientes arborizados onde os cafeeiros ficam próximos ao microclima do seu habitat natural. A arborização do cafezal proporciona além de uma diminuição da temperatura média em até 2°C, uma grande proteção contra vento que é também um fator prejudicial à planta. O IAC e o IAPAR possuem dados experimentais que comprovam essa diminuição das temperaturas. São diversas as espécies vegetais possíveis de uso para arborização ou consorciação, podendo inclusive agregar-se valor à produção do café com espécies de uso florestal ou aquelas de exploração comercial como macadâmia, seringueira, bananeira, abacateiro, coco anão entre outras. Não se trata de um sombreamento exagerado, com muitas árvores por hectare, que não funciona para as condições brasileiras. A técnica da arborização preconiza um sombreamento mais ralo, com população em torno de 60 a 70 plantas de sombra por hectare. Adensamento: o plantio do cafeeiro conforme prática hoje usual em todas as regiões em espaçamentos mais adensados entre linhas e entre plantas na linha (plantio em renque), apresenta menores produções por planta, mas aumenta a produção por área devido ao maior número de cafeeiros por hectare. Além de estressar menos o cafeeiro, permite mantê-lo mais enfolhado, proporcionando um microclima mais ameno, com menores temperaturas no interior da planta, abaixo do ambiente externo. Manejo do Mato: a boa prática agrícola preconiza manter durante o período das chuvas o mato do meio da rua manejado com implementos como roçadeiras e trinchas, muitas vezes associados a herbicidas. Além da conservação do solo evitando-se a erosão, a manutenção do solo vegetado reduz a temperatura do mesmo e permite uma melhor distribuição do sistema radicular do cafeeiro, pois as radicelas superficiais são afetadas pelas temperaturas elevadas. Este manejo aumenta também o teor de matéria orgânica e a capacidade de retenção de água possibilitando um cultivo mais tolerante às condições climáticas adversas. Espécies/Cultivares: Dentre as espécies de café conhecidas, Coffea arabica, que fornece o café arábica e Coffea canephora, que proporciona o café robusta, são as duas mais importantes no mercado nacional e internacional. No Brasil existem aproximadamente 1,9 bilhões de cafeeiros robusta (Conilon) e 4,3 bilhões de cafeeiros arábica. O arábica, como mencionado anteriormente, é de clima mais ameno, enquanto o café robusta é de clima quente e úmido e se adapta bem em regiões com temperaturas médias anuais entre 22 e 26°C. Nas áreas com Conilon, que estão na faixa de 23°C, um aumento de temperatura de 3°C não deve influenciar negativamente o cultivo deste tipo de café no Brasil. Por outro lado, o IAC tem um programa de melhoramento em que as características de robusta são transferidas para arábica (resistência a doenças e pragas, vigor, produção, rusticidade, melhor sistema radicular e tolerância a temperaturas mais elevadas entre outras). Várias progênies desses cruzamentos têm apresentado características que permitem tolerar temperaturas mais altas e portanto poderão ser utilizadas em novos plantios, substituindo o café arábica em regiões onde a temperatura fique muito elevada. Trabalhos recentes têm mostrado que a cultivar Catuaí (arábica) vai muito bem em regiões baixas e quentes com temperaturas médias acima de 23°C com irrigação. É importante ressaltar também que no banco de germoplasma do IAC existem outras espécies de café, como Coffea dewevrei, Coffea congensis e Coffea racemosa que estão sendo utilizadas em programas de melhoramento visando selecionar genótipos produtivos, resistentes ao bicho mineiro e mais tolerantes ao calor e a seca. Portanto sob o aspecto da cafeicultura atual a tendência de aumento de temperatura não deverá ser catastrófica e nem também para o futuro, pois as pesquisas até o presente fornecem evidências e subsídios para que a nossa cafeicultura de arábica e robusta continue sendo pujante, sustentável e sólida. A associação destas práticas em muito contribuirão para atenuar o efeito das temperaturas elevadas, sem levar em conta outras técnicas que sem dúvida ao longo dos próximos anos a pesquisa através do IAC e de outras instituições deverá disponibilizar para o cafeicultor. Por outro lado a redução da área de café no Estado de São Paulo de 237 mil hectares em 2004/05 para 233 mil hectares em 2006/07, conforme citado pelo CEPAGRI/Unicamp, não deve ser considerado isoladamente como um fator atribuído ao aquecimento global. É fundamental considerar que a expansão da cultura da cana-de-açúcar e o aumento de usinas pelos atrativos que apresentam no momento, têm ocupado não somente áreas com café, mas também da citricultura e outros cultivos. Finalmente, é importante ressaltar que devemos aumentar e estimular as pesquisas para encontrar soluções no enfrentamento do aquecimento global e suas consequências. Porém, devemos ser mais cautelosos nos informes à sociedade, e em particular aos agricultores, que já enfrentam problemas diversos em toda a cadeia produtiva do agronegócio café e que certamente vai interferir no planejamento de médio e longo prazo. Luiz Carlos Fazuoli: Pesquisador Científico, Diretor do Centro de Café ‘Alcides Carvalho’ – fazuoli@iac.sp.gov.br Roberto Antonio Thomaziello: Engenheiro Agrônomo – Centro de Café ‘Alcides Carvalho’ – IAC – Campinas – Bolsista/Consultor do CBP&B/Café – EMBRAPA CAFÉ – rthom@iac.sp.gov.br Marcelo Bento Paes de Camargo: Pesquisador Científico – Centro de Ecofisiologia e Biofísica – mcamargo@iac.sp.gov.br

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