Data da postagem: 27 Fevereiro 2009
O impacto da crise financeira mundial na próxima safra de cana-de-açúcar poderá ser positivo, desde que se mantenha o nível das exportações de açúcar e álcool, dizem os pesquisadores Sérgio Alves Torquato e Danton Leonel de Camargo Bini, do Instituto de Economia Agrícola (IEA-APTA), vinculado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. É que até o momento houve uma valorização do dólar frente ao real, tornando o produto brasileiro mais competitivo em relação àqueles países que não passaram por desvalorizações em suas moedas.
O momento é de incertezas, de preços baixos, de falta de crédito, mas quem quer se manter e crescer na atividade com lucratividade deve buscar melhorar a produtividade no campo e tornar mais eficiente o processo produtivo, o que exige pesquisa, desenvolvimento e investimentos com visão nítida nas oportunidades de mercado no futuro para o setor, receitam os pesquisadores que acabam de publicar artigo no site do IEA (www.iea.sp.gov.br). A saída é ocupar os mercados com fôlegos de crescimento, como a fatia que a diminuição da oferta de açúcar indiano abrirá, podendo tornar a próxima safra brasileira mais açucareira e assim reduzir o excedente de oferta de etanol característico dos últimos anos.
Os técnicos do IEA acreditam que a crise pode ser um momento excepcional para boas oportunidades e, assim, se deve estar atento a uma visão de futuro e de tendências. As usinas familiares, como também as usinas pertencentes a grupos maiores e mais fortes, devem sempre buscar dialogar e discutir com os especialistas tanto do setor privado como do governo para minimizar problemas e euforias.
O planejamento e a pesquisa são ferramentas importantes para orientar decisões e evitar desvios de foco e de oportunidades, observam os pesquisadores. A aquisição ou a fusão de grupos nesse momento talvez seja o caminho oportunidade - que os atores do setor encontrem para amenizar os reflexos dessa crise, o que poderá aumentar a concentração ou maior oligopolização em suas atividades.
Os autores do trabalho acham que é preciso criar uma expertise nesses casos, considerando que as crises no setor sucroalcooleiro são recorrentes. O investimento em tecnologia, gestão de processos e de risco podem minimizar problemas de curto e médio prazo. E lembram que o planejamento das atividades não se encerra a cada safra, sendo preciso visão de futuro e competência para se manter nesse mercado que está cada vez mais competitivo e exigente de qualidade.
Impactos da crise
A crise financeira mundial, deflagrada no segundo semestre de 2008, gerada por um descontrole financeiro, tornou-se a raiz da desconfiança no sistema, analisam os técnicos. Partindo dessa constatação, empresas emergentes e com fragilidades de mercados - como alguns casos de empresas do setor sucroalcooleiro - foram alvos mais fáceis da especulação e do oportunismo.
O setor sucroalcooleiro - configurado em parte por bases gerenciais familiares, com somente dois grupos com ações em bolsas (Cosan e São Martinho) - opera primordialmente nos mercados de açúcar e álcool, observam os técnicos. O primeiro tem maior inserção tanto no mercado interno como no externo: por ser uma commodity que apresenta grande instabilidade de preços ocasionada por conta de especulações, formação de estoques e quebra localizada de safra. O preço do açúcar está atrelado à relação estoque/consumo, e sua demanda é inelástica em relação ao preço e à renda por ser o açúcar um bem essencial e de necessidade básica. Por outro lado, por ser uma commodity e com grande parcela nas exportações, poderá ser beneficiado via câmbio/preço, sabendo-se que um aumento do preço externo do açúcar pode gerar um deslocamento da oferta interna para o mercado externo. Vale salientar que o mercado do açúcar tanto interno como externo é mais consolidado.
Já o álcool (etanol) ainda não é uma commodity, não tem grande inserção no mercado externo (o mercado interno é o seu maior consumidor), sendo negociado no mercado futuro de forma tímida. A problemática mais relevante, nesse caso, está localizada na relação entre o seu preço e sua demanda ao preço do petróleo em queda que poderá no médio prazo afetar os planos de investimentos externos no setor. O que alavanca as pesquisas relacionadas ao desenvolvimento e à produção de combustíveis renováveis são os preços relativos do petróleo.
Nos últimos dois anos, o setor sucroalcooleiro realizou grandes investimentos em novas unidades de produção e no alargamento dos canaviais, na esperança da expansão da demanda do álcool combustível no mercado internacional, dizem os pesquisadores. O que se viu foi uma oferta excedente geradora de preços ruins. Isso decorre de uma expectativa irrealista em relação à demanda de açúcar e álcool, de uma confusão em relação à sinalização do mercado e de dificuldades para se saldar as dívidas contraídas. Dessa forma, a retração ou paralisação dos fluxos de investimentos estrangeiros no setor não acontece somente devido à crise financeira agravada no atual momento, mas sim é acentuada por ela.
A falta ou dificuldade de crédito, decorrente da crise, pode levar algumas unidades a diminuir ou suprimir etapas na produção (manutenção, fertilizantes, defensivos, etc.), o que pode acarretar atrasos no avanço de novas tecnologias e nos ganhos de produtividade, alertam os pesquisadores do IEA. Individualmente, a crise afetou empresas do setor que negociam ações na bolsa e registraram expressivas quedas em seus valores na BOVESPA. Também foram afetadas empresas que fizeram hedge cambial, que serviu como uma proteção à variação do câmbio. Com o desaquecimento das economias mundiais, pode-se ter um reflexo na renda. A crise de incertezas leva alguns investidores a postergarem os investimentos que afetam diretamente o dinamismo da economia e, consequentemente, o setor sucroalcooleiro.
Petróleo e pecuária
As cotações internacionais do petróleo em 2008 despencaram do nível recorde em julho, ultrapassando US$147, para US$32,40 em dezembro de 2008 com a crise internacional. Assim, por um lado, se o valor do petróleo se mantiver nos níveis baixos de preços atuais, cerca de U$$40,00 o barril, por um longo período, levará ao desestímulo do desenvolvimento de alternativas ao combustível fóssil, como também inviabilizará a exploração de petróleo com alta tecnologia, como no caso do pré-sal. Por outro lado, gerará uma pressão deflacionária dos preços nos mercados de insumos agrícolas (fertilizantes) dependentes do petróleo.
Já os diagnósticos de expansão para os próximos anos, quando se retratam o surgimento de novas usinas e canaviais, parecem estar sendo refeitos, observam os pesquisadores. Áreas arrendadas em final de contrato estão sendo revistas e muitos proprietários ligados à pecuária no oeste paulista, por exemplo, estão aptos a cobri-las novamente com pastagens, devido à valorização da arroba do boi concomitante à desvalorização dos rendimentos adquiridos via arrendamento da cana. Assim, com a mudança nas perspectivas de rentabilidade entre a lavoura canavieira e a pecuária, esta tendência pode estar sendo alterada devido à recuperação dos preços do boi gordo.
Assessoria de Comunicação da APTA
José Venâncio de Resende
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